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MATÉRIA : REVISTA ISTO É DINHEIRO – A FRAUDE DAS MARGARINAS

Matéria - Revista Isto é Dinheiro 

Editora Três Ltda. (No. 117 – 24 de Setembro/1999 – Negócios - página 96 a 98)

A Fraude das Margarinas

Ciência derruba mito de que elas são saudáveis e obriga fabricantes a gastarem milhões na revisão de seus produtos

Sarssi, da Van Den Bergh: “A indústria atravessa um processo de transição”

Prado, da Vigor: R$ 9 milhões para adequar produtos às exigências do consumidor

O cerco está fechado. Na semana passada, a Federal Administration (FDA), poderosa e influente entidade controla as vendas de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, determinou que todos os produtos  alimentícios tragam em seus rótulos as quantidades de um tipo específico de gorduras, as chamadas gorduras trans, usadas na sua fabricação. O  golpe atinge uma ampla variedade de artigos, uma vez que as gorduras trans são adicionadas em centenas deles para incrementar o sabor e mesmo o visual. Mas os efeitos da decisão atingem de forma mais severa uma industria bilionária: a das margarinas. Anunciadas durante décadas como um substituto saudável para a manteiga – rica em gorduras saturadas de origem animal, até então consideradas vilãs no aumento das taxas de ataque cardíaco –, elas agora entram para o mesmo rol de artigos perigosos. Os principais institutos de pesquisa do mundo têm divulgado seguidos alertas de que as gorduras trans podem ser até mais danosas que as saturadas, contribuindo decisivamente para a elevação das taxas de colesterol no sangue. E, o que é pior, os consumidores não tinham como saber o quanto dessas substâncias estavam ingerindo.

“As gorduras trans eram um fantasma em nossos alimentos”, afirma Margo Wootan, cientista do Center for Science in the Pu­blic Interest, dos Estados Unidos, que vinha solicitando a mudança dos rótulos desde 1994. Na França, onde a margarina surgiu no século passado sob encomenda de Napoleão, que desejava incluir na dieta de suas tropas um produto menos perecível que a manteiga, o Instituto Nacional de Saúde e de Investigação Médica (Inserm) também recomendou à indústria adoção de práticas semelhantes.

A exemplo do que aconteceu com os fabricantes de cigarros quando se comprovou que fumar provoca cân­cer de pulmão, entre outros males, as novas descobertas científicas colocaram contra a parede gigantes como Unílever, Johnson & Johnson, Santista e até as brasileiras Sadia e Vigor. “A conclusão de que as gordu­ras trans aumentavam o colesterol arranhou a imagem do setor”, reco­nhece Antônio Mantoan, coordenador técnico da Associação Brasileira de Margarina. “A indústria da margarina está passando por uma fase de transição”, afirma Sérgio Sarssi, diretor-geral da Van Den Bergh, divisão de alimentos da Unilever e dona de 35% do mercado nacional com as marcas Doriana e Becel. Nos últimos anos, as empresas têm investido dezenas de milhões de dólares no desenvolvimento de margarinas com menores teores de gordura. Mais que uma ação humanitária, estão de olho em um público que cresce em taxas elevadas. No sofisticado mercado americano, por exemplo, o segmento chamado de alimentos funcionais — aqueles que possuem características saudáveis e até indicações terapêuticas — já movimenta algo em torno de US$ 8 bilhões ao ano. No Brasil, o apelo da saúde transformou as manteigas em artigos quase marginais, se comparados com as margarinas. Enquanto os produtos de origem vegetal rendem R$ 900 milhões anuais a um grupo restrito de empresas, resultado da venda de 500 mil toneladas de margarina, os fabricantes de manteiga — na maioria pequenos e voltados para consumidores locais —empacaram na casa das mil toneladas anuais.

A pressão da comunidade científica já gerou resultados palpáveis. Primeiro, obrigando as indústrias a gastarem milhões na revisão das fórmulas, da imagem e até mesmo dos rótulos de suas margarinas. Num segundo momento, permitindo a 100 milhões de americanos e 125 milhões de europeus que possuem taxas elevadas de colesterol trocar a antiga margarina por uma nova geração de produtos que, além de não fazer mal, colaboram para reduzir os riscos de doenças cardíacas. Por enquanto, duelam nesse terreno apenas Johnson & Johnson e Unilever, com as marcas Benecol e Take Con­trol, respectivamente.

CONCENTRAÇÃO Poucos grupos controlam mercado de R$ 900 milhões 

Beneficio caro. Lançadas recentemente, ambas tiveram de enfrentar rigorosos processos de investigação por parte das autoridades sanitárias até que pudessem comprovar que, conforme prometiam, eram capazes de contribuir para uma queda de até 4% nas taxas de colesterol daqueles que as consomem regular-mente. É um apelo e tanto. Ainda assim, deve ser insuficiente para torná-las produtos lucrativos para as empresas a curto prazo. “Chegar a esses produtos e provar sua eficácia custou às companhias e os investimentos em propaganda e promoção devem ser ainda maiores”, diz Neil Sweig, analista da consultoria americana Ryan, Beck/Southeast Research. “As duas custarão muito mais caro que as margarinas e manteigas comuns e esse fator deve ter um peso significativo para boa parte dos consumidores.”

Os consumidores brasileiros ainda terão de esperar um bom tempo. Johnson e Uni­lever não possuem previsão para o lançamento das margarinas de segunda geração no País. “No Brasil ainda estamos num primeiro estágio, que é o de eliminar gradualmente as gorduras trans”, diz Mantoan. A paulista Vigor, por exemplo, está investindo R$ 9 milhões por ano no desenvolvimento de produtos que incorporam substâncias benéficas à corrente sanguínea, como o Ômega 3. No portfólio de margarinas da empresa, havia marcas com até 80% de lipídios em sua composição. Hoje, nas versões light, esse índice caiu para 38%. “Ao mesmo tempo que o setor passou por uma transformação forçada, o consumidor passou a exigir produtos com maior valor nutricional”, afirma o diretor de Marketing da Vigor, Antonio Carlos Prado.

“Hoje, boa parte dos produtos disponíveis no mercado conseguiu reduzir  sensivelmente, ou mesmo eliminar, a quantidade de gorduras trans em sua fórmula”, diz Sarssi, da Van Den Bergh. Do ponto de vista legal, também estamos atrasados. As autoridades brasileiras ainda não tratam o assunto com o mesmo rigor com que a FDA examina a questão. Os rótulos das margarinas brasileiras precisam conter apenas o total de gorduras usadas na fabricação, sem especificar, no entanto, a quantidade de cada tipo de gordura presente no frasco, Ou seja, os consumidores, mesmo mais informados sobre os riscos das gorduras trans, continuarão ignorando quanto delas estão ingerindo. Gordura trans, a nova vilã.